Entre tantos efeitos indesejados da pandemia do novo coronavírus, um número já começa a chamar a atenção: é a grande quantidade de ações trabalhistas ajuizadas nos últimos meses. O crescimento no volume de processos é perceptível nas varas da Justiça do Trabalho em primeira instância e até nos tribunais superiores. A tendência, infelizmente, é a de que a evolução se mantenha por um tempo – mesmo após o fim do período excepcional pelo qual estamos passando.
Em 2020, mais de 110 mil processos foram ajuizados em decorrência da pandemia – a maior parte relacionados ao aviso prévio e à multa rescisória de 40% do saldo do FGTS. A palavra-chave “covid-19” aparece em terceiro lugar – e faz parte de uma instrução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para facilitar a organização das demandas.
O levantamento ainda aponta grande número de processos motivados por descumprimento nas anotações da Carteira de Trabalho (art. 477/CLT) e na concessão de férias proporcionais (ou pagamento correspondente).
Os dados são de consórcio formado entre o Conjur, o laboratório de pesquisas de dados FintedLab e a startup Data Lawyer – parceria que resultou na criação do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho.
A que se deve atribuir tantas ações movidas em função da pandemia?
Este com certeza será um problema de pesquisa para a ciência do Direito nos próximos anos. O cenário é multifatorial, e qualquer tentativa de apontar para apenas um caminho parece um tanto quanto especulativo.
A bem da verdade, a pandemia pegou a todos de surpresa: empregados, empregadores, sindicatos, órgãos de fiscalização, legisladores, governos e magistrados.
Situações muito inéditas tendem a provocar um quadro de tensionamento social, que por consequência leva ao temor de perda de direitos.
Em outras palavras: as ações trabalhistas experimentaram um boom porque muitos trabalhadores estão com medo de não receber aquilo a que têm ou tinham direito.
Essa prática tem um componente cautelar e é uma espécie de reação em cadeia dos profissionais. Levados ao home office do dia para a noite, dispensados sem justa causa ou com contratos reduzidos sem informação preliminar, muitos colaboradores viram por bem recorrer à Justiça para resguardar seus direitos – mesmo quando ainda não se configurou a ilegalidade por parte da empresa.
É sempre bom considerar que tudo aconteceu muito rápido. As medidas provisórias que permitiram a redução das jornadas e dos salários e a suspensão dos contratos de trabalho (posteriormente convertidas em lei) tiveram vigência imediata, e ninguém estava preparado para isso.
Por outro lado, com razão, órgãos de saúde passaram a recomendar o distanciamento social imediato como forma de mitigar o contágio, apressando a dispensa dos profissionais.
Por fim – o mais importante – o setor produtivo amargou uma crise sem precedentes recentes e ainda não conseguiu nem sequer contar os cacos da quebra. Muito menos recolhê-los.
É bem provável que alguns empregadores aproveitaram o tsunami para enxugar gastos que já estavam represados antes da crise – mas na maioria das vezes a tensão provocada nas relações de trabalho não foi intencional ou de má-fé, mas sim fruto do susto advindo desse colapso inédito.
O trabalhador, com as suas razões particulares, não quer esperar esse diagnóstico todo e precisa estar amparado de alguma forma.
Eis a razão de tantas ações trabalhistas neste período.
Como em quase todas as situações nas relações de trabalho, a transparência é o melhor remédio.
Procure informar os colaboradores sobre tudo o que a empresa vem enfrentando, e deixe documentadas as eventuais medidas excepcionais que forem tomadas: redução de jornadas e salários, suspensão de contratos, entre outras medidas.
Lembre-se: muitas ações são impetradas apenas por insegurança. Dê ao colaborador, portanto, a segurança sobre o que está ocorrendo – mesmo que medidas mais drásticas tenham que ser tomadas adiante (sempre com transparência e dentro da lei).
Mantenha o Departamento Pessoal sintonizado com todas as alterações trabalhistas impostas pelo período de calamidade. Aqui no blogue da Control iD há muitas informações a respeito.
Uma boa consultoria especializada – no caso das grandes empresas – pode ajudar a diminuir as contendas na Justiça.
Para patrões e empregados, o acordo é sempre a melhor solução. Para os primeiros, porque em geral as queixas são ajustadas a fatores ditados pela conjuntura. Para os segundos, porque a solução é bem mais rápida do que em uma ação convencional.
Ainda não há uma linha de raciocínio jurisprudencial, por assim dizer, referente à pandemia – mas juristas começam a supor que a Justiça do Trabalho tenda a ponderar fatores que impeliram o empregador a tomar medidas equivocadas (leia-se: aquelas movidas por descuido ou pressa, e não as ilegais!). Por isso, o acordo pode ser uma boa solução.
É bem provável que nos próximos meses o entendimento dos tribunais superiores a respeito de contendas manifestadas durante a pandemia já esteja desenhado. Enquanto isso não acontece, a informação e o bom senso devem sempre ser a tônica na relação entre patrões, sindicatos e empregados.
Por fim, não deixe a sombra de uma ação trabalhista contaminar seus projetos de retomada. Muitos trabalhadores estão apenas inseguros e uma boa injeção de transparência pode acalmar os ânimos nesta relação.
Não tem sido fácil projetar como serão os próximos meses e o ineditismo disso na Justiça do Trabalho é apenas uma ponta do problema, ainda composto por instabilidades emocionais e familiares, medo da doença e outras imprevisibilidades. Ninguém dá conta de resolver tudo – e se nem a vacina foi descoberta, muito menos o antídoto para retomar a normalidade nas relações.
É sempre bom saber que, em algum momento, vai passar.
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